domingo, 16 de fevereiro de 2020

Fahrenheit 451

Antigamente, havia uma crença de que aqueles que não sabiam ler respeitavam e idolatravam quem sabia. Nesse contexto era comum ver pessoas que não frequentaram instituições de ensino superior terem como sonho de consumo uma estante cheia de livros com capa dura, se possível, algumas coleções. Se dizia que depois da aposentadoria ler seria "o" hobby, coisa de gente respeitável.
Atualmente, há uma crença de que aqueles que leram muito são parte de uma elite que não reflete a realidade do povo. O povo não encontra seu lugar numa sala de aula ou de leitura. Encontra seu lugar numa igreja que o trata como igual. Não como alguém que demonstra dificuldades na leitura e na escrita, para não falar em quase nenhuma habilidade no manejo da linguagem simbólica. Na igreja ele é um igual, desde que possa arcar com sua contribuição simbólica - não confundir isso com acesso garantido ao simbólico. Além disso, a aposentadoria já não é um sonho de consumo para a maioria, então pra que livros empoeirados na estante?
Desse modo, não deve ser surpresa que estantes da Biblioteca do Palácio do Planalto cheias de "livros com muita coisa escrita" devam ser substituídas por sofás e privadas, objetos muito mais úteis nas práticas cotidianas. Assim como não deve ser surpresa que livros devam parar de circular livremente em escolas, presídios e feiras literárias. Aliás, para que servem mesmo feiras literárias em um país no qual um terço dos alfabetizados são analfabetos funcionais? Livro não garante emprego e futuro de ninguém. Basta constatar que a leitura favorita do atual presidente foi O Recruta Zero. Basta observar que quase 100% dos jovens que conseguiram alguma modalidade de trabalho de 2018 pra cá - ninguém falou em carteira assinada! -  não precisaram de muita leitura pra isso. Basta ter uma moto ou uma bicicleta - e ninguém aprende a andar de bicicleta lendo num livro como se faz...
Até os escritores já se tocaram de sua inutilidade. Tanto que pra chamar atenção e vender livros eles aprenderam que têm que colocar um Foda-se (ou alguma de suas variações) no título. O que o leitor ainda não se tocou é que esse foda-se acaba se dirigindo para ele próprio que compra qualquer porcaria achando que é uma boa leitura. Esses livros até vendem, mas não fazem de  leitor algum um cidadão com mais qualidades para mudar esse país de analfabetos políticos cheios de ego. Essa é a leitura dos fatos que analfabetos ou não, precisamos realizar antes que as fogueiras em praça pública se tornem "o" fato.