Recentemente duas películas chegaram aos cinemas soteropolitanos emolduradas na indicação azul de seus títulos: "Azul é a cor mais quente" e "Blue Jasmine". Nesse verão baiano que começou com um céu cinzento, tais películas trazem possibilidades de abordagem diferenciadas, porém relacionáveis, principalmente se for levado em conta a expectativa que as precederam entre cinéfilos e mesmo entre curiosos. A primeira, realização do tunisiano Abdellatif Kechiche, vencedora da Palma de Ouro em Cannes, se tornou badalada pelo burburinho criado em torno das cenas de sexo. A segunda por ser o retorno de Woody Allen aos cenários americanos, mas não em Nova Iorque, em São Francisco. O que marca o azul no filme de Kechiche (originariamente intitulado “A vida de Adelle”) não é que haja blues na trilha sonora, o que há é que cenas de amor sexual acontecem em lençóis azuis, assim como nos predominantes cabelos azuis de Emma, a amante de Adelle, a personagem principal, amante em torno da qual seu desejo orbita na quase totalidade do filme. Quase totalidade, pois, gradativamente o desejo do diretor vai se impor, concentrado principalmente na terça parte final do filme ( que dura 3 horas) quando ele nos faz entrar na sina do primeiro amante de Adelle, que para merecer seu amor se propõe a ler 600 páginas de um livro que ela aprecia, assim deixando claro que sua paixão não poupa sacrifícios. Nesse ponto o filme se torna azul-roxo, pois o diretor, metaforicamente, nos faz ler as tais 600 páginas (para provarmos que amamos o filme) durante quase uma hora de cenas que não acrescentam muito a boa narrativa das primeiras duas horas de película.
Já em Blue Jasmine, o
timing de quem tem um ego ( no sentido artístico) equilibrado mostra como Woody
Allen se relaciona com a plateia no
nível mais azul de um céu de verão - embora, a personagem central deixe claro
que adotou o nome de Jasmine por essa ser uma flor que desabrocha após a
meia-noite reinando nas horas mais escuras. Suas desventuras são tamanhas que
ela tenta até apagar o passado para ser feliz, mas, ao tentar sair das horas
mais escuras, o passado bate a sua porta. Em síntese, se ambos os filmes tratam
de histórias de mulheres buscando seu lugar a sol (talvez o sol da meia-noite)
o primeiro filme traz a jornada de uma jovem mulher que está chegando e o
segundo filme, explicita a história de alguém que precisa chegar de novo,
reiniciando a trajetória de vida abalada por um amor trágico. As duas jornadas
seguem trajetórias por rotas invertidas (mas não opostas): Adelle, na sua
juventude busca o amor através da sexualidade ( se é que ela está ciente desse
trajeto), Jasmine busca a segurança de um amor até certo ponto evitando as
armadilhas que podem estar atreladas a uma paixão sexualizada. No geral são
obras que valem a pena assistir, até em função de que ao sair do cinema o
espectador pode perceber o verão local com cores menos cinzentas...
Imagem: Composição surrealista II 1934 - Miró
Imagem: Composição surrealista II 1934 - Miró