sexta-feira, 1 de abril de 2011

I - Antigamente o Tempo*


Na vastidão de um deserto africano o peregrino abatido pela sede avistou  um oásis. Certo de que era uma miragem, ele virou as costas.  Antes  de atingir a metade do percurso da sua jornada, resolveu retornar ao ponto de partida. Decepcionado consigo mesmo, ele percebeu que sua vontade para concluir o trajeto ainda não possuía a força de um desejo.
 No meio do caminho de volta perdido em reflexões, o  andarilho encontrou quase enterrado nas dunas um relógio de areia, uma ampulheta. Hipnotizado pela lenta queda dos cristais, o viajante  ficou a observar e admirar seu brilho, por minutos e horas. Quando enfim o dia trouxe os ventos do norte,  estes começaram a soprar um silêncio cheio de sonoridades, reverberante  como uma tempestade de grãos:

                     "A vida eterna se encontra 
                   na absoluta relatividade
          veja o peixe que nasce sem asas,
                     ele, no tudo  nada!"
 
Imediatamente o caminhante percebeu que o destino exigia que ele seguisse em sua jornada. Na necessidade do movimento, sentindo como a ampulheta o imobilizava resolveu enterra-la. Pôs-se a cavar, cavar,  foi cavando, foi,  cavou e cavou tanto que acabou encontrando água. Mesmo que tudo parecesse outra miragem, o passageiro da vida descobriu como retomar a viagem. Agora  seguiria com uma porção líquida do infinito dentro do cantil e com o brilho dos cristais de areia dentro dos olhos.

  * Fragmento de Universos Profanos



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