Na vastidão de um deserto africano o peregrino abatido pela sede avistou um oásis. Certo de que era uma miragem, ele virou as costas. Antes de atingir a metade do percurso da sua jornada, resolveu retornar ao ponto de partida. Decepcionado consigo mesmo, ele percebeu que sua vontade para concluir o trajeto ainda não possuía a força de um desejo.
No meio do caminho de volta perdido em reflexões, o andarilho encontrou quase enterrado nas dunas um relógio de areia, uma ampulheta. Hipnotizado pela lenta queda dos cristais, o viajante ficou a observar e admirar seu brilho, por minutos e horas. Quando enfim o dia trouxe os ventos do norte, estes começaram a soprar um silêncio cheio de sonoridades, reverberante como uma tempestade de grãos:
"A vida eterna se encontra
na absoluta relatividade
veja o peixe que nasce sem asas,
ele, no tudo nada!"
Imediatamente o caminhante percebeu que o destino exigia que ele seguisse em sua jornada. Na necessidade do movimento, sentindo como a ampulheta o imobilizava resolveu enterra-la. Pôs-se a cavar, cavar, foi cavando, foi, cavou e cavou tanto que acabou encontrando água. Mesmo que tudo parecesse outra miragem, o passageiro da vida descobriu como retomar a viagem. Agora seguiria com uma porção líquida do infinito dentro do cantil e com o brilho dos cristais de areia dentro dos olhos.
* Fragmento de Universos Profanos
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