Conheço um cara – ia escrever:
“tenho um amigo”, mas certas relações
são difíceis de definir – que por muito tempo foi uma pessoa bastante cínica em
relação aos valores sociais, hedonista ao extremo, mas não diria que seu
hedonismo fosse consequência do cinismo, pois há pessoas que são uma coisa, mas
não são a outra, não necessariamente. Ultimamente já não o vejo com frequência,
pois moramos em cidades distantes. Com o
passar do tempo e em relação direta com seu estilo de vida, sua saúde sofreu
impactos e danos incontornáveis e nos poucos contatos que temos tido através de
uma rede social é perceptível que aquela pessoa que se dizia sempre disposta a
encarar a morte, agora tem medo de que a tal morte o abrace na próxima esquina,
na próxima ida a um shopping ou mesmo durante o sono.
Um detalhe que me
chamou a atenção é que a palavra Deus começou a ser frequente no seu
repertório. Não é que antes não o fosse, mas quando surgia na fala era sempre no
meio de uma piada amoral e quando aparecia na escrita – sim, porque o cara era
fã de Bukowski e tirava onda de poeta pós-beat – era sempre iniciada com letra
minúscula. Agora é diferente, ele cita Deus aqui e ali e não parece querer
fazer piada ou tirar onda, afirma que Deus surge em sua vida antes de resolver
um problema no trabalho, no meio do trânsito e até quando sonha. Ele conclui
assinalando que essa relação com Deus o estava salvando da solidão e do medo da
morte, cada vez mais presentes.
Estou escrevendo essa história, pois me
lembrei de questões significativas e esclarecedoras em relação ao conhecido acima
citado. Muito tempo atrás, em meio a uma bebedeira, ele contou que estava tendo
um caso com a mulher de um vizinho -
vale deixar claro que ele era um cara com dificuldades de relacionamento
afetivo sexual, tanto que sexo só rolava quando pagava pra isso – e essa mulher
marcou sua vida com sua selvageria indomável, com sua ousadia única. Ele disse que transava com ela na residência
do casal quando o marido não estava, mas certa feita eles quase foram flagrados
pelo traído. Quase, pois foram salvos pelo cão que latiu advertindo-os da
chegada do dono. Por incrível que pareça, a partir de então passaram a correr
mais e mais riscos sempre sendo salvos pelos latidos do cachorro, animal pelo
qual ele nunca tivera afeto anteriormente, mas que desde então se tornou seu
cúmplice, seu oráculo.
Recentemente lendo sobre a libertação de cães
em um instituto de pesquisa em São Paulo certa lembrança que tive me tomou de
assalto e algumas peças pareceram se encaixar. O nome do cão dos vizinhos que
esse conhecido tantas vezes frequentou era “Deus”. A ficha caiu! Então era
isso, ele estava com medo da morte, se sentindo muito só, sentindo falta da mulher
do vizinho que lhe fazia sentir-se vivo como nunca e principalmente, sentia
falta da segurança que o Deus sobre
quatro patas passava nesse relacionamento que seu cinismo e seu hedonismo nunca
conseguiram superar...
Imagem: The Church of Nervous System